Dessalinizar a água é cada vez mais viável
A dessalinização da água do mar e de águas salobras é comum em países desérticos ou com pouca disponibilidade de água potável, como no Oriente Médio e na África. Mas o seu uso não se restringe a esses locais e já está bastante difundido no mundo. Segundo a Associação Internacional de Dessalinização (IDA), o tratamento já é utilizado em 150 países, como Austrália, Estados Unidos, Espanha e Japão.
O caminho para ampliar a oferta de água parece óbvio. Afinal, 97,5% da água do planeta azul está no mar. Antes caras, as técnicas de dessalinização estão evoluindo e a redução de custos já viabiliza a ampliação do uso.
A consultoria norte-americana Pike Research, especializada em análises de mercado de tecnologias limpas, estimou que, até 2016, seriam aplicados US$ 87,8 bilhões em plantas de dessalinização no mundo todo. Atualmente, existem 13,8 mil instalações e a previsão está próxima de se confirmar.
Ainda que os custos estejam caindo, tornar potável a água do mar ainda é caro: a energia necessária para produzir mil litros é, em média, de 8 quilowatts-hora, equivalente ao consumo diário de uma casa de três quartos no Brasil. Sem falar nos investimentos para construção das plantas.
Porém, à falta de fontes disponíveis — casos na Austrália, em ilhas do Caribe ou no Oriente Médio (que produz 75% da água dessalinizada do mundo) —, o processo não só compensa como é a melhor opção.
Alternativa brasileira
No Brasil, o Programa Água Doce (PAD), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), investe em sistemas de dessalinização para oferecer água com qualidade a populações de baixa renda em comunidades do semiárido.
O PAD atende todo o Nordeste e o norte de Minas Gerais, onde a disponibilidade hídrica é baixa e a salinidade das águas subterrâneas é elevada. Iniciado como Programa Água Boa, em 1997, para desenvolver técnicas de dessalinização, atualmente o PAD concentra-se na manutenção e no aproveitamento da estrutura de dessalinizadores instalados na década de 90.
A Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, tem trabalhado com o MMA em sistemas de dessalinização. A técnica utilizada pelo Laboratório de Referência em Dessalinização (Labdes), do Departamento de Engenharia Química da instituição, é a osmose inversa — passagem da água por membranas filtrantes. O processo é responsável, por exemplo, pelo abastecimento de água no Arquipélago de Fernando de Noronha há uma década.
O professor Kepler Borges França, coordenador do Labdes, esteve à frente do programa do ministério desde o início e explica que a osmose inversa é responsável por retirar não somente os sais da água, mas também microorganismos, bactérias e fungos, deixando a água potável para o uso humano. Ele também ressalta a viabilidade econômica da técnica utilizada no Brasil.
"Entre os outros processos térmicos de dessalinização, a destilação tem um custo de 10 a 15 vezes superior ao de técnicas com membranas. Com a osmose inversa, é possível gastar apenas R$ 1 para dessalinizar mil litros de água salobra e entre R$ 1,50 e R$ 2 de água do mar", expõe França.
O especialista afirma que atualmente o esforço do Labdes é levar a dessalinização para todas as capitais do litoral brasileiro a fim de minimizar a escassez de água provocada pelo grande consumo em condomínios à beira-mar. Segundo ele, a dessalinização é viável para evitar situações de desabastecimento, como a que ocorre em São Paulo, e tem um custo menor do que a construção de canais para levar água aos grandes centros urbanos.
Risco ambiental
A destinação ambientalmente correta dos rejeitos do processo de dessalinização é um dos desafios enfrentados e deve ser ponderada. Isso porque a osmose reversa gera outro tipo de água, muito salina, com risco de contaminação ambiental elevado. E, geralmente, esse rejeito é devolvido ao solo ou até aos cursos d'água.
No Congresso, um projeto de lei foi apresentado em 2009 pelo senador João Vicente Claudino (PTB-PI) para conceder isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a aparelhos de destilação e de osmose inversa usados na dessalinização de água. Para ele, a proposta pode ajudar a combater os problemas crônicos de falta de água nas regiões semiáridas do país, já que máquinas de dessalinização de água têm sido adquiridas por diversas prefeituras para atender a população durante os períodos de seca e o uso delas é mais econômico do que o transporte de água por caminhões-pipa.
Apesar de aprovado pelas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o projeto foi rejeitado na Câmara, onde o parecer da Comissão de Finanças e Tributação considerou-o inadequado financeira e orçamentariamente. Citando as Leis de Diretrizes Orçamentárias de 2011 (Lei 12.309/2010) e de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), o relator, deputado Edmar Arruda (PSC-PR), deteve-se na forma, apontando que não pode haver proposta de renúncia fiscal sem que a compensação seja prevista.
Israel quer atingir 100% de dessalinização em cinco anos
Israel é o líder mundial em reutilização de água, em todos os métodos. O governo investe maciçamente em dessalinização — mais de US$ 3,5 bilhões por ano, com 39 unidades em funcionamento. Em outubro de 2013, foi inaugurada a maior delas, em Sorek, produzindo 227 bilhões de litros por ano. Atualmente, mais da metade da água potável consumida vem do mar (600 bilhões de litros por ano) e a meta é, em pouco mais de cinco anos, chegar a 100%, informou o dirigente do serviço meteorológico do país, Giora Gershtein, que participou em outubro, no Rio de Janeiro, de um evento organizado pela Embrapa.
O consumo per capita de água na região é de 140 litros por dia e as três fontes — chuva, Mar da Galileia e três aquíferos — passaram por dificuldades recentes. Com 60% do território em área de deserto, Israel é muito dependente da agricultura irrigada, com a qual precisa alimentar 8 milhões de habitantes. Quase metade da irrigação é feita com água dessalinizada.
Israel adota outras medidas para garantir a segurança hídrica. O especialista em saneamento Menahem Libhaber relatou a experiência israelense de reúso de água em um simpósio internacional realizado em 2012, em Curitiba. Segundo ele, desde 1955 a reutilização é política nacional e, com 80% de reúso da água doméstica (400 bilhões de litros por ano), o país está muito à frente de Espanha (14%), Austrália (9%) e Itália (8%), por exemplo.
Indústrias de muitos países estão conseguindo usar a água com mais eficiência. O Japão, há meio século, gastava 49 milhões de litros para produzir US$ 1 milhão em mercadorias. Hoje, o volume é inferior a 12 milhões de litros. Na Alemanha, já é comum o uso das tecnologias de filtração por membrana e tratamento anaeróbico no reúso de efluente tratado da indústria do papel e em lavanderias de cidades como Stuttgart, Kaiserlautern, Lingen e Eltmann. Semelhantes tecnologias são aplicadas no Brasil na cervejaria Ambev (RJ) e na fábrica de medicamentos Diosynth (SP).
De acordo com um estudo financiado pela União Europeia, a Europa e os países do Mediterrâneo estariam demorando a definir em que extensão será permitido o reúso de água devido a resistências dos legisladores e da opinião pública. Mesmo assim, existem diversos projetos em andamento por toda a Europa, de Reino Unido e França até Croácia e Letônia, passando por Espanha e a Itália.
Nos Estados Unidos, existem registros das primeiras experiências ainda na década de 1930, nas cidades californianas de San Francisco e Orange e na Flórida, estado que reutiliza 2,7 bilhões de litros de água por dia. O objetivo raramente é o de produzir água potável, mas apenas água reciclada para a abastecer a indústria ou regar os extensos gramados dos incontáveis campos de golfe nos dois estados. País conhecido por seu temperamento perdulário, a maior economia do mundo faz o mesmo em relação aos recursos hídricos: menos de 0,3% da água usada provém de reciclagem.
Fonte: http://www.senado.gov.br/noticias/jornal/emdiscussao/escassez-de-agua/materia.html?materia=dessalinizar-a-agua-e-cada-vez-mais-viavel.html
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